quinta-feira, 24 de novembro de 2011

1ª Bienal do Livro e da Leitura




A 1ª Bienal do Livro e da Leitura acontece em Brasília de 14 a 23 de abril de 2012 e vai reunir o métier da literatura de todo o mundo para dez dias de proveitoso intercâmbio entre escritores, educadores, editoras, distribuidoras, empresários, jornalistas, artistas e leitores.

O mega evento acontecerá na Esplanada dos Ministérios, em uma área de 17 mil metros quadrados, com área coberta pronta para abrigar 146 estandes. A coordenação literária está a cargo do jornalista e escritor Luiz Fernando Emediato e apresenta o tema “O poder transformador do livro e da leitura”.

A programação é vasta e tem como destaque a presença do dramaturgo, poeta, romancista e crítico nigeriano Wole Soyinka, Nobel de Literatura, que vem ao Brasil pela primeira vez. O grande homenageado, cuja obra é praticamente desconhecida no país, ganha o lançamento de seu primeiro texto teatral, intitulado “The Lion and The Jewel”, pela Geração Editorial.

Outro ponto alto é a Jornada Hispano-Americana, desenvolvida pelo jornalista, escritor e tradutor Eric Nepomuceno, além do seminário Bibliotecas – A Experiência Colombiana, que direciona seu foco às iniciativas de sucesso realizadas na Colômbia com bibliotecas públicas. A Bienal ainda reserva uma homenagem a Ziraldo, um dos maiores escritores de literatura infantil do Brasil.

Serão cerca de cinquenta livros lançados por dia, e mais uma ampla programação cinematográfica, exposições e performances teatrais e musicais, contação de histórias, recitais, homenagens a escritores, palestras gratuitas com diversos temas, entre eles “A Literatura Contemporânea da África Portuguesa“.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Carta ao Zézim

(Trecho de carta enviada por Caio Fernando de Abreu ao jornalista e grande amigo José Marcio Penido, em 22 de dezembro de 1979, Porto Alegre-RS)




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"Você quer escrever. Certo, mas você quer escrever? Ou todo mundo te cobra e você acha que tem que escrever? Sei que não é simplório assim, e tem mil coisas outras envolvidas nisso. Mas de repente você pode estar confuso porque fica todo mundo te cobrando, como é que é, e a sua obra? Cadê o romance, quedê a novela, quedê a peça teatral? DANEM-SE, demônios. Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, "apaga o cigarro no peito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo". Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.

Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de "meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.

É esse tipo de criador que você quer ser? Então entregue-se e pague o preço do pato. Que, freqüentemente, é muito caro. Ou você quer fazer uma coisa bem-feitinha pra ser lançada com salgadinhos e uísque suspeito numa tarde amena na Cultura, com todo mundo conhecido fazendo a maior festa? Eu acho que não. Eu conheci / conheço muita gente assim. E não dou um tostão por eles todos. A você eu amo. Raramente me engano.

Zézim, remexa na memória, na infância, nos sonhos, nas tesões, nos fracassos, nas mágoas, nos delírios mais alucinados, nas esperanças mais descabidas, na fantasia mais desgalopada, nas vontades mais homicidas, no mais aparentemente inconfessável, nas culpas mais terríveis, nos lirismos mais idiotas, na confusão mais generalizada, no fundo do poço sem fundo do inconsciente: é lá que está o seu texto. Sobretudo, não se angustie procurando-o: ele vem até você, quando você e ele estiverem prontos. Cada um tem seus processos, você precisa entender os seus. De repente, isso que parece ser uma dificuldade enorme pode estar sendo simplesmente o processo de gestação do sub ou do inconsciente.

E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho — e posso estar enganado — que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.

Ou então vá fazer análise. Falo sério. Ou natação. Ou dança moderna. Ou macrobiótica radical. Qualquer coisa que te cuide da cabeça ou/ e do corpo e, ao mesmo tempo, te distraia dessa obsessão. Até que ela se resolva, no braço ou por si mesma, não importa. Só não quero te ver assim engasgado, meu amigo querido."
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ABREU, Caio Fernando de (1948 - 1996)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Recuso-me a aceitar o fim do homem.

De Caixa suspensa


Na noite de 10 de dezembro de 1950, ao aceitar o Prêmio Nobel de Literatura concedido pela Academia Sueca, em Estocolmo, William Faulkner (1897 - 1962) proferiu um pequeno discurso, verdadeira obra-prima de concisão e clareza, um recardo eterno a todos aqueles que encontram na escrita a sua verdadeira expressão

             "Sinto que este prêmio não foi dado a mim pela minha pessoa, mas pelo meu trabalho – o trabalho de toda uma vida na angústia e ansiedade do espírito humano, não por glória e menos ainda por lucro, mas para criar a partir dos materiais da alma humana algo que ainda não existia. Portanto, ele está comigo em confiança. Não será difícil encontrar um destino para a parte em dinheiro que seja comensurável com o propósito e significado de sua origem. Mas eu gostaria de fazer o mesmo também com as aclamações, usando este momento como pináculo de onde poderei ser ouvido pelos jovens que se dedicam à mesma angústia e labuta, dentre os quais já se encontra aquele que um dia estará aqui onde estou agora.

            Nossa tragédia atual é um medo físico generalizado e universal, sustentado há tanto tempo que podemos até tolerá-lo. Não há mais problemas da alma. Há apenas a pergunta: Quando será que vamos explodir? Por causa disso, os jovens que escrevem hoje esquecem os problemas do coração humano em conflito consigo mesmo, a única coisa capaz de produzir boa literatura, pois só tem valor o que se escreve acerca dessa questão, e só ela vale a agonia e o suor.

            É preciso reaprender isso. Esses jovens autores precisam ensinar a si próprios que a coisa mais básica de todas é o medo; devem, depois, esquecê-lo de todo, sem deixar espaço no seu escritório para nada que não sejam antigas verdades do coração, as velhas verdades universais sem as quais todas as histórias são efêmeras e fatídicas – amor e honra e piedade e orgulho e compaixão e sacrifício. Enquanto não o fizer, o jovem autor trabalha sobre os auspícios de uma maldição. Escreve sobre luxúria, não sobre o amor; escreve sobre derrotas em que não se perde algo de valor, sobre vitórias sem esperança e, pior de tudo, sem piedade ou compaixão. Lastima o pesar da essência que não é universal, não deixa marcas. Escreve sobre glândulas, e não sobre o coração.

            Enquanto não tornar a aprender essas coisas, os jovens autores escreverão como quem toma parte e assiste ao fim do homem. Recuso-me a aceitar o fim do homem. É bastante fácil dizer que o homem é imortal simplesmente porque resistirá: pois quando os derradeiros sons da ruína tiverem se esvaído na última pedra imprestável e inerte em meio à vermelhidão final do anoitecer, mesmo nesse momento haverá um ruído: o de sua débil e inexaurível voz, falando ainda. Recuso-me a aceitar isso. Acredito que o homem não irá simplesmente resistir: irá triunfar. Ele é imortal, não por ser a única das criaturas com uma voz inexaurível, mas porque tem alma, um espírito capaz de compaixão, sacrifício e resistência. O dever do poeta, do escritor, é escrever sobre essas coisas. É um privilégio seu ajudar o homem resistir, elevando seu coração, lembrando-o da coragem e da honra e da esperança e do orgulho e da compaixão e da piedade e do sacrifício que fizera a glória de seu passado. A voz do poeta não precisa ser apenas um registro do homem, pode ser também um dos alicerces, um dos pilares para ajudá-lo a resistir e a triunfar."

 FAULKNER, William. "Recuso-me a aceitar o fim do homem", em "O Livro das Virtudes: uma antologia de William J. Bennett"/ Editora Nova Fronteira, 1995.