A voz é suave, mas firme. Os olhos escuros brilham, incansavelmente prescrutadores. Os gestos delicados, fluidos, como os de um maestro em camera lenta. O corpo, esguio e pequeno, irradia uma controlada energia. Lisa Nelson caminha em passos curtos pelo palco do Teatro do Centro Cultural Humberto Mauro, de Cataguases, juntando palavras aos movimentos das mãos. Seu olhar, maternal e atento, se fixa em cada um dos componentes da Cia. Ormeo, o privilegiado grupo dirigido por Daniela Guimarães e patrocinado pela ENERGISA.
Improvisação. Esse é o trabalho dessa artista novaiorquina, nascida no Bronx e que escolheu a paisagem pastoral de Vermont para morar. Morar talvez seja uma palavra um tanto forte para essa pequena mulher para quem o mundo é um pedaço de sua casa. Lisa Nelson transita com a mesma sábia simplicidade na China, na Argentina, França ou Brasil. Apaixonada por frutas, elegeu nossas variedades de manga como suas prediletas. Amigos os tem em quantidade, pois quem há de resistir à sua simpatia, delicadeza e diplomacia?
Daniela Guimarães esperou anos para poder conciliar a sua agenda com a da mestra norte-americana e encontrarem o momento certo para trazê-la a Cataguases-MG. Não é a primeira vez que Miss Nelson vem ao Brasil, onde cultiva diversos amigos e admiradores da sua arte. Entretanto, desta vez, o famoso grupo de Cataguases, oriundo do Projeto Café com Pão, Arte ConFusão, beneficia-se da atenção exclusiva dessa que é uma referência no meio artístico internacional.
Tive o prazer de acompanhar como observador, por dois dias, o workshop que Lisa Nelson está ministrando e, confesso, é impressionante a energia que ela irradia e a maneira com que proporciona aos bailarinos se aperceberem de seus corpos, descobrindo seus recursos e potencialidades. Sem imposições, ordens, comandos; sem formas pré-estabelecidas ou preconceitos; sem regras definitivas ou normas instransponíveis, Miss Nelson permite, através de exercícios que muito se assemelham a simples e despreocupados jogos infantis, que seus "alunos" redescubram o próprio corpo e sua relação com o espaço e o outro.
Os olhos são um dos pontos fortes do trabalho desenvolvido pela bailarina e professora. O olhar, a percepção, o ver e o enxergar, o assistir e o não-ver, tudo é parte integrante de seu método de trabalho. Levar o bailarino a perceber seu corpo e seu campo de visão e o que nele existe e fazê-lo refletir em como o outro, e a audiência, o veem, talvez seja a pedra fundamental onde ela constuiu o escopo de seu trabalho.
Na improvisação é onde Lisa Nelson acredita que os instintos animais de sobrevivência, que todos possuimos, se manifestam. É no comportamento instintivo, sem o filtro das grandes elocubrações, que a linguagem pura do movimento pode ser encontrada e onde as interrelações dos participantes acontecem.
Oito horas diárias de reaprendizados, seja o do olhar, seja o do mover-se, buscam permitir aos elementos dessa companhia mineira o encontro de uma nova espontaneidade. Há um frescor advindo do rompimento de cadeias de padrões repetidos até inconscientementes, da maior percepção dos sentidos nos personagens que compartilham o palco do Teatro, entretidos no "jogo" de descobertas proposto pela mestra.
Lisa Nelson é, em si mesma, a melhor tradução do que faz: honesta, sincera, objetiva, atenta a todas as manifestações de seu corpo físico e aos desejos de sua alma. Lisa Nelson flui, pequenina, no grande palco. Os jovens bailarinos reagem à sua voz e gestos. Movimentos e olhares surgem, navegando e ocupando os espaços do palco e do teatro.
A dança, em sua essência, acontece.
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